quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Casa

Templo ou fortaleza, refúgio ou espaço sagrado, a casa é um dos temas mais importantes dentro das culturas antigas.
Assim como o próprio corpo humano, que também é "habitado", a casa é sempre alvo de toda uma série de tabus e de considerações
de ordem mágica. Mesmo os povos nômades, cuja habitação não passa, muitas vezes, de uma tenda, possuem um elaborado e complexo sistema
de ritos a fim de assegurar a integridade espiritual do ambiente que passarão a ocupar. Delimitar o terreno é a etapa inicial, a primeira
forma de protegê-lo, sacralizando o espaço que se quer ocupar.
Os antigos, como gregos e romanos, por exemplo, quase sempre acompanhavam o lançamento das fundações de uma casa com o sacrifício de um ou mais animais. Modernamente, muitos templos de religiões afro-brasileiras, também acompanham o rito ancestral. Considera-se que a alma do animal sacrificado passa a
habitar o local, como um tipo de guardião ou gênio tutelar. Alguns terreiros também possuem um local específico para abrigar as energias dos mortos:
um buraco cavado nos fundos da casa e que se comunica, miticamente, com as profundezas da terra e os segredos que ela contém.
A participação dos ancestrais na proteção da casa através de um culto doméstico é um fato importante a considerar. Além da deusa Héstia ou Vesta, que no mundo greco-romano eram as deusas do lar e entronizadas na lareira, o coração da casa, havia a veneração dos Lares e Penates, as almas dos antepassados a zelar por seus descendentes. A manutenção desse culto e as cerimônias votivas eram levadas a cabo pelo pater família, que exercia as funções de sacerdote. A transferência da família para outra moradia implicava na cuidadosa remoção do altar e sua entronização na nova casa. Abandonar esse culto seria equivalente a romper a corrente dos ancestrais e provocar a ira dos deuses.
Ainda hoje cada evento, feliz ou trágico, que afete ou transforme o grupo familiar é motivo para rituais próprios para cada ocasião. No Brasil há toda uma série de tabus e proibições sobre a casa, muitas vezes iguais às da Antiguidade.
A maioria das pessoas jamais levaria uma vassoura de uma casa velha para uma nova, pois equivaleria a levar o passado junto. da mesma forma, tampouco varrem a casa à noite, para não pertubar as almas - possivelmente dos antepassados - que podem estar ali.
Outros lavam periodicamente o rodapé da casa com anil, enquanto os católicos chamam o padre para percorrer todos os quartos aspergindo água-benta.
Há orações fortes que o povo usa para proteção e que devem ser ditas nos quatro cantos da casa. Alguns, desde muito antes da popularização do feng-shui,
colocam um espelho em frente à porta de entrada, de modo que reflita a imagem de quem chega, devolvendo-lhe qualquer energia negativa que porventura
esteja trazendo consciente ou inconscientemente.
O uso de cristais e plantas, como a arruda, a espada-de-são-jorge, o comigo-ninguém-pode, o alecrim e muitas outras têm excelentes efeitos "purificadores"
das energias negativas ou intrusas. A manutenção de vasos com flores também favorece a circulação das energias emocionais e facilita a habitalidade.
A moderna decoração de ambientes tem reconhecido através do Feng Sui a importância do conceito oriental da casa enquanto um organismo dinâmico, bem mais do que mera estrutura espacial. Uma triste comprovação disso são as casas ditas mal assombradas, contaminadas por uma energia emocional nefasta que impregna o ambiente e que só pode ser retirada com ajuda profissional.
Na Odisseia, quando Ulisses mata os inimigos que lhe haviam ocupado a casa, manda lavar o sangue e purificar o ar com enxofre. Assim como os humanos, a casa também está sujeita a traumas e necessita purificação. Assim como os humanos, a casa também está sujeita a traumas e necessita purificação. O importante é conceber o ambiente doméstico como um sistema fechado de energia, que deve ter regulado suas relações com o exterior. A administração eficaz dessas relações será a garantia, de um ambiente sadio e acolhedor, espelho fiel de uma intensa necessidade de ser feliz e de estar bem no mundo.


Antonio Augusto Fagundes Filho em Guia da Cultura Proibida.

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